A trilha ESG está inegavelmente na mira das empresas. São inúmeros os estudos que refletem essa agenda, na medida em que iniciativas em sustentabilidade tornam-se, mais que necessárias e estratégicas, uma licença social à operação de negócios conscientes, em todos os setores.
Apenas para citar algumas pesquisas, no âmbito nacional, o levantamento Panorama ESG Brasil 2023, da Amcham, feito com mais de 570 empresas, mostra que mais da metade delas, 57%, buscam hoje aderir à agenda ESG com o propósito de construir projetos de impacto socioambiental positivos, reais, mensuráveis e rentáveis. O relatório da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), intitulado “Retrato da Sustentabilidade no Mercado de Capitais”, conduzido com mais de 250 instituições, diz que para 86% dos executivos consultados, a jornada ESG é bastante relevante no plano diretor.

No entanto, esta e outras pesquisas revelam um descompasso. Embora haja o reconhecimento de que a trilha é um caminho sem volta, há muita gente perdida num trajeto nebuloso. Mas há um luzeiro no caminho, um fator essencial e facilitador da empreitada: o envolvimento da liderança na construção da cultura organizacional ética e orientada às diretrizes ESG. Sem ele, a jornada não prospera. E como assegurá-lo de maneira sustentável?
Não à toa, o assunto foi o escolhido para o debate da aula inaugural e aberta do projeto Jornada de Aprendizagem Stakeholders e ESG, da FIA Business School, sob a condução dos especialistas e professores do curso “Stakeholders e ESG”, Leila Kido e Edson Barbero.
“A jornada ESG deve ser encarada como uma transformação cultural na organização, o que depende do cuidado e gerenciamento das relações de trabalho, em um movimento capaz de privilegiar a coletividade sobre o indivíduo, rompendo fronteiras e incentivando uma nova perspectiva de negócio, que traz diversidade e inovação. As relações são o diferencial de qualquer empresa”
disse Leila, que é executiva de RH e ESG com longa experiência no mercado, e é também psicanalista.
Cultura empresarial
Leila explicou que a cultura de uma empresa é gerada a partir das mensagens, a maioria não verbais, que circulam a respeito do que é valorizado na companhia. Ou seja, quais comportamentos são permitidos em reuniões, no envio de e-mails ou nas interações dos times? Quais sistemas e processos são adotados para a tomada de decisão, como são conduzidos, sob quais métricas e símbolos? “Toda essa dinâmica comunica a cultura de uma empresa e seu nível de entropia, ou seja, o grau de presença ou falta de ordem, de conflito, fricção e frustração no ambiente”, disse.
Por isso, na jornada ESG, para gerenciar a cultura da organização é preciso primeiramente identificar e definir os comportamentos prioritários nas relações, como parte do foco estratégico da empresa, para depois alinhar processos e símbolos.
“O envolvimento da alta liderança puxando um fluxo top down é imprescindível para isso. É preciso haver a expansão da consciência da liderança para abraçar os valores do Tripple Bottom Line sobre o lucro, e inspirar o time numa visão baseada em abertura e confiança”.
Ética é a chave
A ética é o pilar dessa expansão. “A visão compartilhada e sistêmica dos impactos da empresa sobre diferentes stakeholders, para além dos acionistas, depende essencialmente de um diálogo ético, num patamar que extrapola o compliance e códigos de conduta”, disse o professor Edson Barbero, que é engenheiro pela Universidade de São Paulo, mestre e PhD em administração de empresas. “A ética introduz à reflexão e não apenas ao segmento de normas. Vale lembrar que muitas empresas imorais têm ótimos códigos de conduta. É claro que esses documentos são importantes, mas eles sozinhos não levam à reflexão”, disse.
Para o professor Edson, infelizmente, a ética foi durante muito tempo apartada do mundo dos negócios, como se neste ambiente os resultados justificassem tudo. Quem não se lembra da famosa frase “The business of the business is business”, do economista Milton Friedman? Mas a agenda ESG vai na contramão da falácia do “capitalismo amoral”, porque propõe e requer a reflexão profunda sobre o impacto das nossas ações sobre um conjunto diverso de stakeholders.
Hoje, situações de assédio moral e sexual, por exemplo, que há até bem pouco tempo sequer entravam na pauta da ética empresarial, são altamente refutadas por empresas sérias e idôneas e inclusive monitoradas por meio da evolução tecnológica. “Este é um caminho sem volta. Não tem mais como esconder a sujeira embaixo do tapete, por isso o debate da ética empresarial ascende cada vez mais na esteira da agenda ESG, abarcando temas como diversidade, saúde mental no trabalho, desigualdades e tantos outros para além do lucro”, disse o professor Edson. “Hoje, gerenciar uma empresa é também gerenciar as relações e não só processos”, completou. Por isso, a agenda ESG resgata as chamadas competências soft skills, mais afetivas e amorosas. Inclusive e sobretudo no líder.
“O líder precisa reconhecer que em sua equipe há pessoas íntegras e integradas, um pai, uma mãe, um filho, uma filha. Quando o líder alcança este nível de consciência, há uma conexão e engajamento muito mais profundos no time. Na verdade, a agenda ESG fala de amor”
disse a professora Leila.

